sexta-feira, 18 de maio de 2012

Eu me pássaro.


           São nos dias que parecem tortos que a gente compreende que a linha, como uma sucessão de pontos, não nos cabe mais. Não cabe não só porque a trajetória é cheia de complicadores, mas porque somos nós que precisamos da compressão do estômago para poder decidir permanecer caminhando. Quando não se tem a compressão, não há a escolha, porque nem a inquietação há. E o que eu quero é ter sempre a possibilidade de decidir e de querer estar junto, em bando, em coletivo, em grupo, em manada, em cardume. Preciso pensar um pouco como pássaro. É isso! Preciso compreender mecanismos de desprender menos energia. É necessário, pois, assim como as gaivotas compreender que quem está na frente reduz a resistência do ar para os outros e quando esse se cansa, outro, mais descansado, toma a frente. Ah! Os pássaros não sabem o que é hierarquia. Isso é conceito. Eles apenas compreendem o fluxo das funções. 



"Os homens sabem fazer tudo, menos ninhos de pássaros".



Por Ana Carolina Marinho.



Foto de Maurício Cuca

Foto de Maurício Cuca

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ensaio do dia 07 de Abril de 2012
(Biblioteca Monteiro Lobato)
Fotos: Maurício Cuca





As lentes de Cuca através
 das lentes de João




Cantando baixinho



 Em busca do choro de uma Índia


O espírito Mearatsim 
"Mearatsim, o primeiro a chegar, cantou para espantar o dono do local, Kanutsipei, que mantinha em suas terras, escondida em vários potes, a água mais pura do mundo"






terça-feira, 24 de abril de 2012

MARACÁ


Na busca do som que vem das matas para contar as histórias dos seres que vivem nelas. 

em 6 passos - feito em casa
(me senti índia novamente)
materiais doados pela natureza encerrada no quarteirão denominado "Parque da Água Branca"







Por Recy Freire
("vida indígena na  madrugada")

terça-feira, 17 de abril de 2012

Os sons e os espíritos.


Os encontros agora, longe dos parque e dos animais que paravam pra ouvir as histórias, acontecem num outro espaço bastante acolhedor, a biblioteca Monteiro Lobato. Lá tem até um pedaço da costela de Monteiro Lobato! Seus sapatos, sua cadeira favorita, sobretudos, escrivaninhas, canetas, etc. Lá o espaço é permeado pela sensibilidade dos que por lá passam e dos que por lá já passaram e claro dos que ainda estão por vir. Isso me dá a sensação de estar sempre observada. A porta se abre sozinha - Pode entrar, povoe esse espaço com a gente. Entra alguém, mas de corpo que eu não tenho ideia de como seja.

Acho que Iamululu tem muita responsabilidade nisso tudo. Que som evoca aquele espírito? Ora é o batuque, ora a voz, ora a gaita, ora o apito, ora a flauta, ora o roi-roi, ora o silêncio por ainda não ter conseguido evocar aquele outro espírito. É necessário sutileza e sinceridade para evocá-los com os sons...



Ana Carolina.


domingo, 15 de abril de 2012

O sol mandala e iamulumulu

Os ensaios estão acontecendo neste momento na biblioteca Monteiro Lobato. Trazer todos os atravessamentos dos parques, os cheiros, os sonhos, as cores, as matas, os bichos para dentro da sala de ensaio está sendo inspirador à imaginação. Na sexta-feira o trabalho de aquecimento resultou numa experiência de construção de cena do mito xingu da origem dos rios, Iamulumulu. Segundo o mito os irmãos Sol e Lua se apaixonaram pelas esposas do espírito Savuru, para conseguirem ficar com as esposas pediram as ariranhas que matassem Savuru. O Sol ficou com a esposa mais velha e o Lua com a mais nova. Certo dia, eles resolveram ir buscar água nas aldeias de Kanutsipém, um outro espírito. O caminho era longo e os casais se cansaram pedindo que os espíritos os ajudassem a chegar lá. Iamulumulu lhe curou o cansaço, Ierepê plantou o ciúme das esposas no corações dos dois e Uiaó lhes deu o sono. No outro dia, já descansados chegaram as terras de Kanutsipém, e foram pedindo água ao espírito que lhes ofereceu uma água suja. Desconfiado, o Lua se transformou num beija-flor e sobrevoou as terras descobrindo que lá existiam uma água muito limpa escondida em vários potes. Os casais voltaram para suas terras revoltados e contaram a todos o que tinha acontecido, evocaram outros espíritos para que lhes ajudassem na luta com Kanutsipém. Mearatsim foi o primeiro a chegar que com seu canto estridente foi logo expulsando o dono das terras, e em seguida chegaram os outros que começaram a quebrar os potes e a água foi se juntando numa grande lagoa. Os espíritos puxaram braços de água para todos os lados formando vários rios, mas o Sol não ficou satisfeito porque nem todos corriam para o Morená, a região sagrada dos espíritos. Formou-se uma grande confusão, e no meio dela o irmão Lua desapareceu. O sol ficou desesperado, seu irmão havia sido engolido por um peixe. O acará lhe contou que foi o Jacunaum que havia engolido seu irmão. O Sol pediu ajuda a taperá (andorinha do campo) que lhes ofereceu um anzol escondido num fumo para que pescassem o jacunaum. E assim, o Sol e o acará seguiram pelos rios atrás do jacunaum. Finalmente, o Sol conseguiu pescar o peixe abrindo-lhe a barriga e descobrindo que lá estava seu irmão, só que agora só os ossos. O Sol pegou as folhas perfumadas do enemeóp e cobriu os ossos de seu irmão, e o Lua se fez carne, mas faltava-lhe a vida. Foi quando ele pegou um mosquito e colocou na narina do Lua, que com um espirro soprou-se a vida novamente. E assim, as águas se espalharam formando os rios, e o Sol ficou conhecido como o primeiro pajé e começou na Terra a prática da pajelança.
O aquecimento deste dia gerou a criação de uma mandala feita com instrumento, onde no centro a narrativa se faz carne-palavra. Dentro do círculo um trabalho de irradiação com movimento e respiração foi realizado para fora da roda. Um narrador sol irradiando o mito com o corpo. Os instrumentos como espíritos evocados pela narrativa. Ao redor os outros contadores personificam os espíritos através dos sons. Assim, descobrimos o ínico destas jornadas narrativas, saudando o sol e sua pajelança.

João Júnior.









Mito extraído do livro Lendas e Mitos dos índios brasileiros,
de Walde-Mar de Andrade e Silva.




sábado, 7 de abril de 2012

Tudo virou brincadeira e coceira


O que você deixa pra trás no caminho? O que de você fica no meio da estrada? Qual a marca deixada pelos “passos dos índios guerreiros”? Hoje, eu e Carol não conseguimos deixar pra trás, pra bem longe do nosso ensaio no Parque da Água Branca, a ressaca dos nossos corpos cansados da rotina da cidade. E o corpo e a mente pediram pela apreciação do lugar. Escolheram uma pausa que olha em volta e na verdade não para. Um novo olhar para o já conhecido (mas ainda nos [re]conhecendo lá) e sagrado espaço de trabalho. A curiosidade para saber o que nele se abrigava gerou a descoberta. Descobrimos os rastros da vida ali: penas, cascos de árvores, sementes, frutos secos...Tudo virou brincadeira e coceira. E as marcas que a natureza deixou desapercebida agora é objeto de investigação e estudo para o nosso modo de contar suas histórias. Deixamos no lugar a marca dos nossos olhares curiosos e levamos para o resto do dia um corpo disposto a se redescobrir.











Relatos de Recy sobre o ensaio do dia 03/04/2012 no Pq. da Água Branca.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Brincando de Ensaiar


Um refúgio entre árvores para voltar a ser crianças e tirar do baú da memória o gostinho (bem gostoso) de fazer danadice : balançar em galhos proibidos, contar mentiras verdadeiras, inventar histórias fantásticas e Rir RIR rir riR e se lembrar de que tudo é permitido. Eu e Carol (jovem atriz talentosa, que venho admirando cada vez mais no prazer da convivência) brincamos livremente naquela manhã de terça-feira, até que as buzinas dos carros lá fora nos tirassem do delírio de ser um RIO MENINO.
(e depois de tudo, pra completar a magia do dia, veio a chuva)

Relatos de Recy sobre o ensaio do dia 27/03/2012 no Parque do Trianon

Parque Trianon




















Experimentando o "Caboclo D'água"









Experimentando  o "Cabeça de  Cuia"










e enquanto ninguém olhava...







segunda-feira, 26 de março de 2012

O PARQUE-PROCESSO

Os encontros estão se realizando a ceu aberto, a flor aberta, a planta aberta, de peito aberto. Na distancia dos rios, visto que São Paulo aterrou cerca de 1.500 km de rios, encontramos nos parques da cidade um caminho de se relacionar com as bolhas são os parques. Chegar mais próximo do silêncio, do verde, do som dos pássaros, do cheiro da folha, da poesia desenhada em cada planta foi o meio encontrado de fazer a narrativa jorrar nos encontros. Nesse sentido, algumas parques da cidade tem servido de local de ensaio para estas histórias. No meio de patos, galinhas, guinés no PARQUE DA ÁGUA BRANCA, no canto dos pássaros misturados com o ruído dos carros do TRIANON e MÁRIO COVAS os encontros acontecem. Teias de aranha se tornam presentes ao olhar. O cheiro da folha atravessa a palavra. O sol toca a pele numa dança com o vento. E assim, segue a jornada deste rio, em meio a plantas, águas e bixos. E, nós, a brincar nos quintais de nossa memória.
Hoje, ensaiando no parque da água branca foram chegando pessoas, olhando, escutando as histórias, acompanhando de perto como os indios do xingu contaram como os rios nasceram através do Iamulumulu. E assim, vão se dando, de peito aberto, os encontros.
Carol se preparando para contar sua história.
Iati, como surgiu o Rio São Francisco.
Parque da Água Branca.


Visita a roda de leitura de textos.
Parque Trianon


Iati, os guerreiros seguiram para o norte.


Iati, os guerreiros.


Iati, o bambu verga, mas não quebra.
Parque da Água Branca.

Ialumulumulu, os espíritos seguem para a luta.

O RIO MENINO - a ideia

O RIO MENINO é um espetáculo de contação de histórias que tem como meio de intersecção poética das histórias escolhidas, o rio. Os rios brasileiros se tornaram um mapa afetivo no qual buscamos narrativas que emergiram das águas doces brasileiras.
A ideia de levantar histórias tendo o rio como meio de intersecção se deu através da experiência vivenciada pelo coletivo ESTOPÔ BALAIO, desde o ano passado, com os moradores do bairro do extremo leste paulista, o Jardim Romano. O bairro no ano de 2010 sofreu com aquela que seria a pior enchente dos últimos dez anos. Grande parte do bairro ficou submerso por águas que transbordaram do rio que corre perto e do descaso do poder público com a vida da população local. Dessa experiência com os moradores muitos desdobramentos tem se revelado. No caso, os mitos das águas doces brasileiras foram um caminho de encontrar os mistérios presentes nos rios brasileiros, no mundo fantástico que vive na imaginação das comunidades ribeirinhas, nos contos e causos populares que margeiam os rios do Norte, Nordeste e Sudeste, bem como, encontrar a memória infantil do Romano. As crianças do bairro relataram histórias fantásticas de peixes que foram pescados nas ruas, de cobras que apareceram em suas camas, de tetos de carro transformados em jangadas. A imaginação infantil quer dançar e na dureza da vida do Romano, as crianças extrairam da dor a experiência poética com as águas. Vem delas esta inspiração! É para elas que nossas águas correm.
Tiago, Larissa, Luana, Rafaela, Nícolas, Mateus, João Pedro, Carlos, Ícaro, Maycom, Maillom, Cícero, Carol, Licéia, Aprigio, Igor, Wilber, Natália, Bia, Laysa, Mariana, André, Lays, entre tantos e tantos que brincaram na dor e sorriem todos os dias.
Deles surgiu o encontro com o mito xingu da origem dos rios, Iamulumulu; a história da índia Iati que do seu pranto nasce o rio São Francisco, que dele brota as lendas do caboclo d´água e do cabeça de cuia; das águas doce do norte vem a lenda do peixe-boi e do cobra-norato. Uma imaginação que quer dançar, e está sapateando em nossos corpos e pedindo passagem através da narrativa.

Como extrair poesia desta experiência? Como mergulhar nessas águas? Qual a poesia do Jardim Romano? A experiência do encontro com o outro, com a comunidade e o compartilhamento da vida se tornaram o aprendizado maior desta empreitada de vida e arte.





domingo, 25 de março de 2012

Eu rio e ele lágrima.

Quantos rios do pranto se formou!
Só de pensar a tristeza que pelas águas percorre
O corpo se estremece de tanto que alguém sofre.
Ó mainha, dê aos peixes a alegria desmedida
E àqueles que à margem ficam, dê a vontade de mergulhar 
Nas águas barrentas que se encontram com o mar.



quarta-feira, 21 de março de 2012

Quando as matas, ainda que rodeadas de cimento, nos atravessam...

Galinhas, pombos, marrecos, gansos, pássaros imensos, mandalas de teias de aranhas, árvores com raízes aéreas e tanto mais de lindo... Eles têm sido parte dos nossos encontros. Escolhemos os parques para compreendermos juntos os rios que nos atravessam. Nada de salas fechadas, pretas, aqui nosso ensaio é rodeado de crianças passando, galinhas procurando alimento, pessoas caminhando, despachos, pássaros parando para bisbilhotar quem éramos nós. Ontem foi dia do peixe-boi, esse animal esquisito, nunca vi de perto e desconfio das imagens que me mostram dele, com esse nome ele há de ser um boi com nadadeiras ou um peixe ruminante; foi dia também de Iati, uma linda e doce índia que com suas lágrimas formou um rio que tem nome de santo e é lá que tem o Negro D'Água. Mas dele eu só posso falar depois... Ele não aparece tão fácil assim e quando aparece custa a sumir!

Que dos nossos sorrisos nasça um rio que desague no mar...